O que a epidemia de
coronavírus nos mostra é mais a força do esquema explicativo de Michel Foucault
do que a atual linha de interpretações necropolítica. Todos sabemos que
Foucault via o biopoder como uma série de eventos, desde os teóricos até as práticas
concretas, que formaram a base de uma nova relação entre estados nacionais e o
elemento biológico da vida humana. Não mais a exclusão da vida política e
a pilhagem de bens e direitos que caracterizariam o Antigo Regime, mas sim
novas técnicas organizadas em torno da melhor extração das forças
vivas. Assim, o biopoder é um índice descritivo do momento em que os
Estados começaram a exercer a gestão de esferas da vida social que hoje nos
parecem óbvias, como assistência à saúde, taxas de natalidade e mortalidade,
etc. Foucault não sugere que isso se deva à preocupação humanista do
Estado; trata-se, de fato, de atender às demandas do
capitalismo. Bruno Cava sintetizou bem em seu texto recente: o conceito de
biopolítica não descreve necessariamente uma situação “boa” ou “ruim”: Foucault
limita-se a apontar precisamente os limites de nossa situação.
Diante do coronavírus, a
maioria dos Estados exerceu forte controle sanitário e populacional para
impedir sua propagação; estritamente falando, estão sendo tomadas ações
para evitar um maior número de mortes. Essa biopolítica nos coloca no
domínio de como Foucault concebeu as técnicas de gestão populacional, focadas
(principalmente, mas não exclusivamente) para melhor condicionar as forças
vivas. É cada vez mais evidente, no entanto, que mesmo ações drásticas não
foram suficientes para conter a disseminação do vírus, e um senso de
responsabilidade coletiva está crescendo para com aqueles que não podem se
proteger: aqueles que não podem trabalhar em casa, aqueles que são em condições
sanitárias desfavoráveis, idosos etc.
Por Felipe Demetri
Fonte. https://michel-foucault.com/2020/03/22/biopolitics-and-coronavirus-or-dont-forget-foucault-2020/
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